Existe confiança!

09-09-2018

Outro dia, num grande supermercado que fica em um shopping, lembrei de comprar um cabo para recarregar meu celular (telemóvel). Escolhi com pressa, pois minhas meninas já estavam cansadas. Assim que chegamos em casa, fui logo abrindo a embalagem e... e nada! Comprei cabo errado, que raiva! Era USB, mas do tipo C e não cabia no meu celular. Na hora já enrolei de novo o cabo, guardei na caixinha e separei a nota para tentar trocar por outra mercadoria quando voltasse ao supermercado. 

Uma semana depois, lá fomos nós ao mesmo local. Peguei a caixinha, a nota e informei à atendente sobre o meu engano. Para a minha surpresa não houve nenhum tipo de questionamento. Nenhum! Ela apenas pegou o cupom (cupão) de compra, sublinhou o item que pedi para trocar, escreveu abreviadamente 'devolvido', imprimiu um cupão de troca, pediu que eu assinasse e, os 8 euros e 99 centavos (cêntimos) que paguei com cartão de débito, me devolveu em dinheiro. E pronto! 

Ela nem sequer conferiu o produto, não abriu na minha frente a caixinha para ver se estava lá o cabo, como eu havia enrolado ou não... sei lá o quê!!! Afinal, toda a minha experiência enquanto consumidora no Brasil era de levar o produto, esperar na fila do atendimento ao cliente, pedir para trocar o item, e ficar com aquele crédito. Não sem antes o funcionário conferir a caixinha, o produto e até olhar com má vontade como se me condenasse por ter comprado o item errado! Você também já passou por isso? Me conta!

Mas aqui a atendente confiou no que falei. 

Olha, isso pra mim tem muuuuito valor! As pessoas partem do pressuposto que todos são honestos. E, em sua maioria, são mesmo! Mas, é claro que tem sempre alguém metido a espertinho que se aproveita dessa confiança. O fato é que me senti, finalmente, respeitada enquanto consumidora! Que alegria! Olhei para o meu marido e falei: me devolveu o valor em dinheiro! E fomos embora. Acabei por comprar o cabo em uma loja especializada. 

O melhor é que a questão confiança não é um ato isolado desse setor de consumo. O transporte público é outro exemplo. Para andar de trem (comboio), você compra um cartão onde é creditado o valor da tarifa do trecho solicitado. Braga/Porto, por exemplo, custa 3 euros e 20, a tarifa cheia. Antes de embarcar, deve-se validar esse cartão em um pequeno terminal, um equipamento amarelo. 

Já dentro do trem, em certa altura da viagem, um funcionário da Comboios de Portugal aparece para checar os bilhetes. Ele chega com uma maquininha, insere seu cartão e confere que você validou o bilhete. Ou seja, verifica se você descontou do bilhete a tarifa para aquele trecho. Tem gente que não valida. Na primeira vez que viajamos também não validamos, pois não sabíamos! Ninguém havia nos orientado na bilheteria e não percebi nada escrito a respeito. Estávamos eu, meu marido, filhas e minha mãe. Ele confiou na nossa informação de que era a nossa primeira viagem de comboio e não nos multou. Sim, paga-se uma multa (coima) que varia de 120 a 700 euros, dependendo da gravidade da infração (contra-ordenação).

Se você não valida, aquele crédito fica no seu bilhete e, se nenhum funcionário da CP aparece para revisar, você desce sem ter pago. Segundo o site multas.pt, todos os anos, cerca de 100 mil pessoas viajam sem pagar bilhete. Fiquei feliz pela credulidade daquele homem, agradecemos e aprendemos como fazer. 

O último exemplo aqui de confiança não é menos importante, pelo contrário. Marquei um exame médico obrigatório para mim e minha mãe para trocarmos a carteira de motorista brasileira pela carta de condução portuguesa. Vale ressaltar que sem esse atestado o órgão de trânsito não emite o documento. O médico nos atendeu, passou um formulário a ser preenchido com nossos dados e informações sobre doenças, como uma anamnese padrão. Daí, começou por mim um questionário mais detalhado. Conferiu minha pressão (tensão sanguínea), perguntou sobre a qualidade da minha visão, se usava óculos para dirigir e como eu estava, de um modo geral, de saúde. Questionou também quando eu havia feito o último check up, inclusive de exames de sangue (análises clínicas). Falei que havia sido um mês antes da minha mudança e que estava tudo ótimo comigo! E ele confiou, me aprovou no exame. E passou para a avaliação da minha mãe, conduzindo da mesma forma. 

Depois passei a refletir sobre o que aconteceu. E se eu tivesse mentido? E se eu precisasse de óculos para dirigir? Ou tivesse desenvolvido alguma doença que parcialmente me incapacitasse para guiar? Eu realmente estou ótima de saúde, graças a Deus! Preciso também informar que minha carteira de motorista brasileira estava totalmente regular, dentro do prazo de validade. Mas, e se???

Menos de um mês depois, recebi minha carta de condução em casa. E pasme, a validade é até 2033. Já estarei com 54 anos. Depois é preciso repetir os exames em menos tempo. Minha mãe já entra no prazo de renovação a cada dois anos. 

Detalhe: claro que perguntei se eu poderia aparecer rindo na foto!
Detalhe: claro que perguntei se eu poderia aparecer rindo na foto!

O que me chama a atenção é que em Portugal, bem como em dezenas de outros países desenvolvidos, confia-se na honestidade das pessoas. Sim! A tão valorosa honestidade, que parece não ser prioridade para muitos brasileiros, principalmente para os políticos. O que nos leva a lembrar da maldita corrupção. Mas esse assunto é tema para outra postagem! 

Quero aqui enaltecer a relação de confiança que as pessoas têm umas com as outras, a valorização da honestidade e da ordem! Como estou feliz por vivenciar tudo isso e ver que são situações corriqueiras em Portugal. Parabéns, gente! Faz com que eu tenha a certeza que existe um mundo melhor para as minhas filhas!!! Pena que precisei sair do meu país, estar distante um oceano daqueles que amo, para encontrar essa realidade! 

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